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quarta-feira, 12 de julho de 2017



 

Um caso de Polícia

 Adaptação de Tom LoFaro






Amanhece no café Mayfair. O brilho âmbar dos postes misturado com o violentos flash vermelhos e azuis das viaturas da polícia começam a desaparecer com o brilho alaranjado do sol que nasce.

A detective Catarina sai do café com um pequeno copo de plástico com café fumegante numa mão e um resumo dos indícios que recolheu no seu bloco na outra.

Encosta-se ao farol do seu Range Rover e começa a avaliar as provas.

Às 5h30m da manhã o corpo sem vida do Presidente da Junta, arquitecto Crispim, foi encontrado na câmara frigorífica do café, na cave.

Cerca das 6h o médico legista determinou que a temperatura central do corpo da vítima era de 29,4ºC.

Trinta minutos mais tarde, nova avaliação dessa temperatura revelou 28,9ºC enquanto o termostato dentro da câmara frigorífica marcava 10ºC.

Catarina sabe que a lei do arrefecimento de Newton impõe que a taxa de arrefecimento de um corpo é proporcional à diferença entre a temperatura T do corpo no instante t e a temperatura média ambiente Tm e rapidamente garatuja no seu bloco entre alguns pingos de café a equação

$\frac{dT}{dt}=k\,(T-{{T}_{m}}),\,\,\,\,\,\,t>0$

onde k é uma constante de proporcionalidade e t é medido em horas.

Para simplificar as “coisas” e como Catarina quer investigar o “passado” usando valores positivos de t , decide fazer corresponder ${{t}_{0}}$ com as 6h da manhã e assim, por exemplo t=4 é 2h.

Depois de um golo rápido no café que esfriava rapidamente e de alguns rabiscos no bloco de notas, Catarina percebe que, com esta convenção, a constante de proporcionalidade k deve ser positiva e anota na margem para si mesma que  6h30mn são então $t=-\frac{1}{2}$ .

Entretanto o amanhecer ainda fresco abre caminho para uma manhã quente de Verão e Catarina começa a sentir o suor a humedecer-lhe as costas enquanto pergunta a si própria:

- E se o corpo foi transferido para o frigorífico com a finalidade quer de o ocultar quer de alterar as condições de temperatura que poderão ser úteis à investigação? Como é que esta hipótese pode alterar o meu modelo?

Atira o resto frio de café para uma papeleira próxima e volta a entrar no café. Junto à caixa manchada de Ketchup um termómetro indica 21ºC.

A menina da caixa preocupada com aquela polícia que olha atentamente para a parede pergunta:

- Posso ajudar?

- Sim pode – responde a detective como que saindo de um sono letárgico – A climatização do café mantém-se ligada toda à noite?

- Sim, nunca é desligada, mantem praticamente constante a temperatura 24 horas por dia.

- Obrigado, nem sabe como isso me ajuda – responde a polícia e com os olhos postos no termómetro a pergunta que lhe surge no espírito é “Então quando é que o corpo terá sido movido para o frigorífico?

Deixa para mais tarde pensar nesse assunto e anota:   

h = nº de horas que o corpo esteve no frigorífico antes das 6h

por exemplo, se h = 6  o corpo foi movido à meia noite.

Enquanto observa a azáfama dos detectives no café, Catarina percebe que para construir um modelo da variação da temperatura ambiente a que o cadáver esteve submetido tem de recorrer á função “degrau unitário”  $u(t)$ e rabisca


Agora já com a blusa manchada de suor arranca no seu Range Rover com destino ao Pau de Canela para um pequeno almoço de mais café e ovos estrelados com bacon.

O ar condicionado do estabelecimento conspira com a humidade do seu suor para lhe provocar um arrepio que a lembra da tragédia da madrugada.

Enquanto espera o pequeno almoço volta ao seu bloco de notas e revê os seus cálculos. “Bendita rede wireless, a temperatura normal de um ser humano vivo é de aproximadamente 37ºC, e até posso calcular os logaritmos que preciso” pensa ela. “Bem me dizia o velho professor de análise que um dia ia usar estas coisas diferenciais”.

Pouco depois, enquanto come os seus ovos vai cogitando - “no modelo em que o corpo é transportado para o frigorífico não tenho dados suficientes para determinar k, mas se usar o mesmo valor do modelo anterior não devo ficar longe da resposta.”

Entretém-se durante alguns minutos a fazer contas e de seguida elabora uma tabela que relaciona o tempo de arrefecimento $h$ com a hora da morte.

Empurra então para longe o prato vazio e telefona à sua colega Ana que ficara encarregue dos primeiros contactos com os funcionários do Mayfair:

- Olá Ana, já se conhece algum suspeito do caso Mayfair desta manhã?

- Sim – responde a colega – Há três suspeitos. O primeiro é a ex-mulher da vítima, Yulia, uma ucraniana, dançarina no Casino. Segundo várias testemunhas foi vista no Mayfair entre as 17 e as 18h aos gritos com a vítima.

- E quando saiu ela?

- Uma das testemunhas afirmou que ela saiu apressada pouco depois das 6h. O outro suspeito é um jogador conhecido no Casino, Alex Costa. Cerca das 22h de ontem teve uma conversa em surdina com a vítima, ninguém ouviu a conversa mas pelos gestos percebia-se que o Sr Costa estava bastante aborrecido com o presidente da junta.

- E alguém o viu sair?

- Sim, saiu de mansinho pelas 23h. O terceiro suspeito é o cozinheiro do Mayfair.

- O cozinheiro? – espantou-se Catarina.

- Exactamente, o cozinheiro. Chamam-lhe João Pequeno. A rapariga que estava na caixa ouviu o arquitecto e o João Pequeno em grande discussão sobre a maneira correcta de apresentar uns escalopes de vitela. Diz ela que o cozinheiro ofereceu a si próprio uma pausa incomum e bastante longa pelas 22h30m. Saiu furioso quando o Mayfair fechou às 2h. Parece que foi por esse mesmo motivo que a cozinha estava uma grande confusão hoje de manhã.

Um sorriso apareceu na face de Catarina que retorquiu:

- Bom trabalho Ana, acho que já sei quem devo chamar para o interrogatório.

     _______________________________________________________________________


Qual foi a estimativa da Catarina para a hora da morte do arquitecto considerando que o corpo não foi transportado do exterior para o frigorífico?

Qual foi a hora da morte estimada pela Catarina para o caso do corpo ter sido transportado para o frigorífico algum tempo depois de morrer?

Afinal quem vai a Catarina chamar para interrogatório?




SOLUÇÃO



Tentemos seguir passo a passo o que a Catarina fez.
Primeiro temos a seguinte correspondência

Hora do dia
7h
6h
5h
4h
3h
2h
1h
0h
23h
22h
21h
t
-1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9





1º  Se o corpo não foi movido

Nesse caso a temperatura ${{T}_{m}}=10{}^\text{o}\,F$ é uma constante e a equação diferencial fica

$\frac{dT}{dt}=k\,(T-{{T}_{m}}),\,\,\,\,\,\,t>0$

${T}'-kT=-10k$

que é uma equação linear de primeira ordem com factor integrante

$\lambda (t)={{e}^{-k\int{dt}}}={{e}^{-kt}}$

e solução

$T\,{{e}^{-kt}}=\int{-10k\,{{e}^{-kt}}dt=10{{e}^{-kt}}+{{C}_{1}},\,\,\,\,\,\,\,\,{{C}_{1}}\in \mathbb{R}}$

$T(t)=10+{{C}_{1}}{{e}^{kt}}$

 Como às 6h ( $t=0$ )  a temperatura do corpo era 29,4ºC temos

$29,4=10+{{C}_{1}}{{e}^{k\cdot 0}}\,\,\,\,\,\,\,\,\,\,\Rightarrow \,\,\,\,\,\,{{C}_{1}}=19,4$
e
$T(t)=10+19,4\,{{e}^{kt}}$

Por outro lado, às 6h 30m ( $t=-1/2$ ) a temperatura do corpo era de 28,9ºC, portanto


$28,9=10+19,4\,{{e}^{-k/2}}\,\,\,\,\,\,\,\,\,\Rightarrow \,\,\,\,\,\,\,{{e}^{-k/2}}=\frac{18,9}{19,4}$

$\,\,\,\,k=-2\ln \frac{18,9}{19,4}\approx 0,05$

então

$T(t)=10+19,4\,{{e}^{0,05\,\,t}}$


e portanto o corpo começou a arrefecer quando t é tal que  $T(t)=37{}^\text{o}C$

$37=10+19,4\,{{e}^{0,12\,\,t}}$

${{e}^{0,05\,\,t}}=\frac{27}{19,4}\,\,\,\,\,\,\,\,\Rightarrow \,\,\,\,\,\,\,\frac{1}{20}\,t=\ln \frac{27}{19,4}\,\,\,\,\,\,\,\,\Rightarrow \,\,\,\,\,\,t\approx 6,61$

ou seja, a hora da morte teria sido cerca das 23h 37 m.



2º  Se o corpo foi transportado para o frigorífico depois de morto

A equação diferencial passa a ser

      $\frac{dT}{dt}=k\,(T-{{T}_{m}}(t))$    com     ${{T}_{m}}(t)=10+21\,u(t-h)$

isto é

$\frac{dT}{dt}=k\,\left[ T-10-21\,u(t-h) \right],\,\,\,\,\,\,\,\,\,\,k=0,12$

onde a função degrau unitário é        $u(t-h)=0\,\,\,\,\,se\,\,\,\,\,t<h$
                                                                 $u(t-h)=1\,\,\,\,\,se\,\,\,\,\,t>h$

Temos então dois períodos, um depois do corpo ter sido movido para o frigorífico, outro antes de ser movido para o frigorífico.

A)    Depois de ser movido para o frigorífico

Neste período é ${{T}_{m}}=10{}^\text{o}C$ e a equação diferencial é idêntica à do caso anterior

${{{T}'}_{1}}-k{{T}_{1}}=-10k$

com solução geral

${{T}_{1}}(t)=10+{{C}_{1}}{{e}^{kt}}=10+19,4\,{{e}^{0,05\,t}}$

Seja ${{T}_{h}}$ a temperatura do corpo no instante $t=h$ (instante em que o corpo foi movido) temos então

${{T}_{h}}=10+19,4\,{{e}^{0,05\,h}}$

B)    Antes de ser movido para o frigorífico

Neste período é   ${{T}_{m}}=21{}^\text{o}C$ portanto a equação diferencial é

${{{T}'}_{2}}-k{{T}_{2}}=-21k$

que admite também factor integrante  ${{e}^{-k\,t}}$ e tem solução

${{T}_{2}}(t)=21+{{C}_{2}}\,{{e}^{k\,t}}=21+{{C}_{2}}\,{{e}^{0,05\,t}}$

Como, se $t=h$  a temperatura do corpo é  ${{T}_{h}}=10+19,4\,{{e}^{0,12\,h}}$ fica

$10+19,4\,{{e}^{0,05\,h}}=21+{{C}_{2}}\,{{e}^{0,05\,h}}$

$19,4\,{{e}^{0,05\,h}}-{{C}_{2}}\,{{e}^{0,05\,h}}=11$

${{C}_{2}}=19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}\,$

e portanto

${{T}_{2}}(t)=21+\left( 19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}\, \right)\,{{e}^{0,05\,t}}$

 Na hora da morte $T=37{}^\text{o}C$ então, se for  ${{t}_{m}}$ o instante em que o arquitecto morreu

$37=21+\left( 19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}\, \right)\,{{e}^{0,05\,{{t}_{m}}}}$

$16=\left( 19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}\, \right)\,{{e}^{0,05\,{{t}_{m}}}}$

$\frac{16}{19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}}\,={{e}^{0,05\,{{t}_{m}}}}$

${{t}_{m}}=-20\ln \frac{19,4-11\,{{e}^{-0,05\,h}}}{16}$


Com estes dados podemos elaborar a seguinte tabela



$h$
${{t}_{m}}$
Hora a que o corpo foi removido
 Hora da morte
12
3.602
18h
2h
24m
11
4.071
19h
1h
56m
10
4.575
20h
1h
25m
9
5.120
21h
0h
53m
8
5.710
22h
0h
17m
7
6.348
23h
23h
39m
6
7.043
0h
22h
57m
5
7.799
1h
22h
12m
4
8.627
2h
21h
22m
3
9.536
3h
20h
28m
2
10.538
4h
19h
28m
1
11.649
5h
18h
21m
0
12.887
6h
17h
07m


É assumido que o corpo foi transportado para a câmara frigorífica depois de ter sido morto. Sendo assim, as 6 primeiras linhas não podem ser consideradas. No que diz rito às restantes linhas podemos elaborar o seguinte cronograma:





As estrelas vermelhas correspondem à hora calculada da transferência do corpo para a camara frigorífica, as estrelas azuis no mesmo nível correspondem à hora da morte.
Nem o Sr Costa nem a Sra Yulia ao que se sabe, estavam presentes no Mayfair simultaneamente à hora da morte e à hora da transferência.

O período de permanência do cozinheiro é indicado a partir do momento em que sabemos ofereceu a si próprio uma longa pausa, e essa pausa poderá corresponder quer ao momento da morte do arquitecto (22h57m) quer ao momento em que o corpo foi movido (meia noite). Podemos então, com base na informação disponível concluir que o mais provável assassino será o cozinheiro e esse será o primeiro suspeito a ser chamado para interrogatório pela Catarina.


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