Um caso de Polícia
(Enigma de Julho)
Amanhece no café Mayfair. O
brilho âmbar dos postes misturado com o violentos flash vermelhos e azuis das
viaturas da polícia começam a desaparecer com o brilho alaranjado do sol que
nasce.
A detective Catarina sai do café com um pequeno copo de
plástico com café fumegante numa mão e um resumo dos indícios que recolheu no
seu bloco na outra.
Encosta-se ao farol do seu Range Rover e começa a avaliar as
provas.
Às 5h30m da manhã o corpo sem vida do Presidente da Junta,
arquitecto Crispim, foi encontrado na câmara frigorífica do café, na cave.
Cerca das 6h o médico legista determinou que a temperatura
central do corpo da vítima era de 29,4ºC.
Trinta minutos mais tarde, nova avaliação dessa temperatura
revelou 28,9ºC enquanto o termostato dentro da câmara frigorífica marcava 10ºC.
Catarina sabe que a lei do arrefecimento de Newton impõe que
a taxa de arrefecimento de um corpo é proporcional à diferença entre a
temperatura T do corpo no instante t e a temperatura média ambiente Tm e rapidamente garatuja no
seu bloco entre alguns pingos de café a equação
$\frac{dT}{dt}=k\,(T-{{T}_{m}}),\,\,\,\,\,\,t>0$
onde k é uma
constante de proporcionalidade e t é
medido em horas.
Para simplificar as “coisas” e como Catarina quer investigar
o “passado” usando valores positivos de t
, decide fazer corresponder ${{t}_{0}}$ com as 6h da manhã e assim, por exemplo
t=4 é 2h.
Depois de um golo rápido no café que esfriava rapidamente e
de alguns rabiscos no bloco de notas, Catarina percebe que, com esta convenção,
a constante de proporcionalidade k
deve ser positiva e anota na margem para si mesma que 6h30mn são então $t=-\frac{1}{2}$ .
Entretanto o amanhecer ainda fresco abre caminho para uma
manhã quente de Verão e Catarina começa a sentir o suor a humedecer-lhe as
costas enquanto pergunta a si própria:
- E se o corpo foi
transferido para o frigorífico com a finalidade quer de o ocultar quer de
alterar as condições de temperatura que poderão ser úteis à investigação? Como
é que esta hipótese pode alterar o meu modelo?
Atira o resto frio de café para uma papeleira próxima e volta
a entrar no café. Junto à caixa manchada de Ketchup um termómetro indica 21ºC.
A menina da caixa preocupada com aquela polícia que olha
atentamente para a parede pergunta:
- Posso ajudar?
- Sim pode – responde
a detective como que saindo de um sono letárgico – A climatização do café mantém-se ligada toda à noite?
- Sim, nunca é desligada, mantem praticamente
constante a temperatura 24 horas por dia.
- Obrigado, nem sabe
como isso me ajuda – responde a polícia e com os olhos postos no termómetro
a pergunta que lhe surge no espírito é “Então
quando é que o corpo terá sido movido para o frigorífico?”
Deixa para mais tarde pensar nesse assunto e anota:
h = nº de horas que o corpo esteve no frigorífico antes
das 6h
por exemplo, se h =
6 o corpo foi movido à meia noite.
Enquanto observa a azáfama dos detectives no café, Catarina
percebe que para construir um modelo da variação da temperatura ambiente a que
o cadáver esteve submetido tem de recorrer á função “degrau unitário” $u(t)$ e rabisca
Agora já com a blusa manchada de suor arranca no seu Range
Rover com destino ao Pau de Canela
para um pequeno almoço de mais café e ovos estrelados com bacon.
O ar condicionado do estabelecimento conspira com a humidade
do seu suor para lhe provocar um arrepio que a lembra da tragédia da madrugada.
Enquanto espera o pequeno almoço volta ao seu bloco de notas
e revê os seus cálculos. “Bendita rede
wireless, a temperatura normal de um ser humano vivo é de aproximadamente 37ºC,
e até posso calcular os logaritmos que preciso” pensa ela. “Bem me dizia o velho professor de análise
que um dia ia usar estas coisas diferenciais”.
Pouco depois, enquanto come os seus ovos vai cogitando - “no modelo em que o corpo é transportado para
o frigorífico não tenho dados suficientes para determinar k, mas se usar
o mesmo valor do modelo anterior não devo ficar longe da resposta.”
Entretém-se durante alguns minutos a fazer contas e de
seguida elabora uma tabela que relaciona o tempo de arrefecimento $h$ com a
hora da morte.
Empurra então para longe o prato vazio e telefona à sua
colega Ana que ficara encarregue dos primeiros contactos com os funcionários do
Mayfair:
- Olá Ana, já se
conhece algum suspeito do caso Mayfair desta manhã?
- Sim – responde a
colega – Há três suspeitos. O primeiro é
a ex-mulher da vítima, Yulia, uma ucraniana, dançarina no Casino. Segundo
várias testemunhas foi vista no Mayfair entre as 17 e as 18h aos gritos com a
vítima.
- E quando saiu ela?
- Uma das testemunhas
afirmou que ela saiu apressada pouco depois das 6h. O outro suspeito é um
jogador conhecido no Casino, Alex Costa. Cerca das 22h de ontem teve uma
conversa em surdina com a vítima, ninguém ouviu a conversa mas pelos gestos
percebia-se que o Sr Costa estava bastante aborrecido com o presidente da junta.
- E alguém o viu sair?
- Sim, saiu de mansinho
pelas 23h. O terceiro suspeito é o cozinheiro do Mayfair.
- O cozinheiro? –
espantou-se Catarina.
- Exactamente, o
cozinheiro. Chamam-lhe João Pequeno. A rapariga que estava na caixa ouviu o arquitecto
e o João Pequeno em grande discussão sobre a maneira correcta de apresentar uns
escalopes de vitela. Diz ela que o cozinheiro ofereceu a si próprio uma pausa
incomum e bastante longa pelas 22h30m. Saiu furioso quando o Mayfair fechou às
2h. Parece que foi por esse mesmo motivo que a cozinha estava uma grande
confusão hoje de manhã.
Um sorriso apareceu na face de Catarina que retorquiu:
- Bom trabalho Ana, acho
que já sei quem devo chamar para o interrogatório.
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Qual foi a estimativa da Catarina para a hora da morte do
arquitecto considerando que o corpo não foi transportado do exterior para o
frigorífico?
Qual foi a hora da morte estimada pela Catarina para o caso
do corpo ter sido transportado para o frigorífico algum tempo depois de morrer?
Afinal quem vai a Catarina chamar para interrogatório?